06/08/2024
A orientação sexual e de gênero vem sendo pauta de debates nas camadas mais jovens da sociedade, mas quando se refere à população idosa, enfrentamos barreiras, tabus e estigma. Discutir sexualidade, orientação sexual e de gênero, pautas essas de diversidade acabam por ser negligenciadas e invisibilizadas nesse grupo já sofrido por outras formas de preconceito, em especial, o etarismo.
Contudo, a luta contra o câncer independe disso; começa na prevenção, nas políticas públicas desenvolvidas nesse sentido, com medidas de rastreamento, vacinação, redução na exposição de agentes cancerígenos e orientação na melhoria dos hábitos de vida. Entretanto, entre as pessoas LGBT são elevados o nivel de tabagismo, etilismo e obesidade; pior, as taxas de adesão as políticas de rastreamento do câncer são menores (4). Essas estatísticas são confirmadas também na população idosa brasileira. Um estudo que analisou as disparidades no acesso a saúde da população LGBT, identificou que 74% das mulheres heterossexuais e cis gênero já realizaram ao menos uma mamografia na vida, diferente de 40% das lésbicas; quanto ao rastreio de câncer cervical, 73% nas mulheres não LGBT realizaram e 39% no grupo LGBT; o rastreio de câncer colorretal, 57% no grupo não LGBT, e 50% no grupo LGBT (2).
No campo da prevenção, a sexualidade precisa ser discutida também com enfoque nas exposições de risco. Segundo o Ministério da Saúde, houve um aumento de 4x na detecção de HIV em números absolutos na população idosa no período de 2011 a 2019, com uma redução no período da pandemia, até pela redução da testagem. Isso leva outro problema que a possibilidade de surgir um quadro demencial secundário a presença do vírus do HV.
Outro ponto debatido nesse estudo é o menor acesso global dos idosos LGBT ao sistema de saúde, comparando com a população heterossexual e cis gênero. Esse fato ganha destaque e tem sido uma barreira não só na prevenção e rastreamento, mas também no seu diagnóstico e tratamento nas diversas fases da doença oncológica. A maioria dos pacientes com acesso ao tratamento adequado, são pessoas brancas e com níveis socioeconômicas mais altas, e isso é uma problemática historicamente conhecida e debatida nos diferentes meios, sejam científicos e na sociedade civil (2).
Dentre os tumores mais prevalentes na população idosa, o câncer de próstata ganha importância diante de tratamentos que envolvam riscos relevantes para a qualidade de vida dessa pessoa, como os relacionados a disfunção erétil, a redução de libido, as incontinências. O tratamento dos tumores de mama também podem envolver a redução de libido, a intensificação de sintomas da menopausa como ressecamento genital, alopécia, onicólise e cirurgias, o que provavelmente poderá contribuir nas questões associadas a auto imagem.
A vulnerabilidade vivida nessa fase, do envelhecimento, é fruto de uma construção ao longo da vida, logo, é crucial olharmos para a geriatria e a oncogeriatria com uma visão mais abrangente, diversa e tolerante. As pessoas idosas de hoje provavelmente vivenciaram uma forte repressão quanto a orientação sexual e de gênero, e enfrentam até hoje, os pertencentes ao grupo LGBTQIA+, tantas barreiras para falar sobre sua sexualidade, que dificulta o enfrentamento na jornada oncológica. Falar sobre isso, dar esse espaço é de suma importância para o sucesso do tratamento e mais ainda, para a dignidade dessa pessoa idosa.
Referências:
1-Rodrigues NO, Neri AL. Vulnerabilidade social, individual e programática em idosos da comunidade: dados do estudo FIBRA, Campinas, SP, Brasil. Ciência saúde coletiva [Internet]. 2012Aug;17(8):2129–39.
Available from: https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000800023
2-Milton Roberto Furst Crenitte, Leonardo Rabelo de Melo, Wilson Jacob-Filho, Thiago Junqueira Avelino-Silva,Transforming the invisible into the visible: disparities in the access to health in LGBT+ older people, Clinics,
Volume 78,2023,100149,ISSN 1807-5932, https://doi.org/10.1016/j.clinsp.2022.100149.
3-Santos FH dos, Andrade VM, Bueno OFA. Envelhecimento: um processo multifatorial. Psicol Estud [Internet]. 2009Jan;14(1):3–10.
Available from: https://www.scielo.br/j/pe/a/FmvzytBwzYqPBv6x6sMzXFq/
4- KI Fredriksen-Goldsen , HJ Kim , SE Barkan , A. Muraco , CP Hoy-Ellis -Disparidades de saúde entre idosos lésbicas, gays e bissexuais: resultados de um estudo de base populaciona. Am J Saúde Pública , 103 ( 10 ) ( 2013 ) , pp .
Texto:
Patrick Cerqueira, Viviane Primo Basilio, Anelise Fonseca